Batalha de poesia (Crônica n°49)

Diogo Braga Crônicas
2 min readJun 9, 2021

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Eu fiquei sabendo que no Rio de Janeiro existe o Campeonato Estadual de Poesia Falada. Eu achei uma ótima iniciativa, mas do auge de toda minha ignorância me veio à mente a imagem Pablo Neruda batalhando com Vinícius de Moraes, ambos se encarando olho no olho, proferindo aos berros e arremessando palavras de amor junto a perdigotos. “de esperarte cuando no te espero pasa mi corazón del frío al fuego.” cospe Neruda evocando o poder do fogo enquanto Vinícius rebate destacando a brevidade da chama no verso matador “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. “AAAAAAAiiiiiii”! A multidão erudita grita em êxtase. Certamente neste ambiente hostil estaria Augusto dos Anjos na beira do ringue incitando a violência: “escara nesta boca que te beija, escarra, escarra”!

Me pareceu uma imagem desconcertada uma batalha de poetas. Quem há de vencer uma batalha de amores “eu te amo um muito” enquanto o outro responde com um “eu te amo mais”! Não combina por estarmos um tantoacostumados com o conflito destrutivo, com a batalha depreciativa. Que mundo maravilhoso seria se o motorista estressadinho saísse do carro para arranjar confusão com o outro que lhe fechou e mandasse: “eu te amo meu amor, mas presta mais atenção na direção, por favor, não quero que sofras um acidente”! As brigas de transito seriam melhores, mas talvez o mundo seria um pouco mais chato também, né! Nem tanto, nem tão pouco.

O mundo precisa de amores, mas também de conflito e subversão, como Fernando Sabino que jocosamente transfigurou o verso de Vinícius para “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto duro” e como o rap sempre faz, jogando na nossa cara a realidade de um mundo que não é todo amor.

Certamente a minha imagem de dois poetas se digladiando com versos de amor não corresponde à realidade do glorioso Campeonato Estadual de Poesia Falada, há muita poesia de contestação mundo, há muita poesia que precisa ser falada e jogada na cara. Mas gosto de pensar que se meu desaveio fosse realidade eu estaria lá ao lado de Augusto dos Anjos prestigiando o evento e gritando: “Escarra, escarra”!

(Crônica n°49) 19/11/2020

Diogo Braga Crônicas

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